Fui diagnosticado com um adenoma de hipófise. E agora?

Entre os tumores do sistema nervoso central, o tumor de hipófise é um dos mais frequentes.

Este tema é um dos que causam grande fascínio em nós, neurocirurgiões com formação em neurocirurgia oncológica, pela evolução na técnica cirúrgica que houve nas últimas décadas e pela chance de cura ou controle da doença.

Em sua maioria, trata-se de tumores benignos, de crescimento lento, mas que cresceram em uma glândula que está praticamente no ponto mais central da cabeça: a hipófise.

O que é hipófise?

Hipófise é um órgão, mais especificamente uma glândula, que é responsável por orquestrar outras glândulas do corpo.

Ela tem apenas 1 cm, mas sem ela e sem remédios para repor seus produtos, o corpo humano pára de funcionar.

Ela fica no centro da cabeça, num local chamado sela túrcica.

Veja o número de hormônios que são produzidos pela hipófise:

  1. TSH (controla a tiroide)
  2. ACTH (controla a supra-renal)
  3. GH (hormônio do crecimento)
  4. LH e FSH (controlam o ciclo menstrual e funções sexuais)
  5. Prolactina (controla a produção de leite)
  6. ADH (inibe a produção de urina)
  7. Ocitocina (controla a contração do útero e saída do leite)

Além disso, sua localização é caprichosa, pois fica quase encostada em estruturas muito importantes do cérebro, como as artérias carótidas, os seios cavernosos, o quiasma óptico, os nervos ópticos e o hipotálamo. Estas estruturas nobres acabam sendo alvo dos tumores e exigem uma técnica cirúrgica aprimorada para a preservação delas.

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Representação das estruturas próximas

Quais os tipos de tumores?

Os tumores na maioria das vezes são os adenomas. Eles podem ser classificados de forma simples em:

  1. Secretores vs não-secretores
  2. Microadenomas vs macroadenomas

Lembra da lista grande de hormônios? Quando a célula da hipófise se torna uma célula de tumor e começa a se multiplicar, a característica da célula de produzir hormônios pode ficar desenfreada e acabar produzindo excesso de determinado hormônio. Estes são os casos dos adenomas secretores.

Estes, como acabam produzindo hormônios, não precisam ser grandes para causar problemas, pois a produção em excesso de determinados hormônios pode causar uma síndrome.

Por exemplo, se o tumor começa a produzir ACTH em excesso, acaba estimulando a produção de corticoide, e provavelmente você já ouviu que não faz nada bem tomar corticoide toda hora. Mas neste caso não é você que está tomando demais, e sim produzindo demais! O excesso de corticoide no corpo causa a Síndrome de Cushing.

Quem adquire esta condição pode ter pressão arterial alta, obesidade do tipo central, estrias, rosto redondo, acidente vascular, fraqueza muscular, osteoporose, infarto cardíaco…

Se o tumor secreta hormônio de crescimento, a pessoa pode começar a notar que seus pés, nariz, proeminências ósseas e altura (se for jovem) estão aumentando. De repente o sapato não serve mais, a aliança não cabe no dedo… Além de poder desenvolver diabetes!

Já se o tumor secreta prolactina (forma secretora mais comum), normalmente o que se sente é perda de interesse sexual, disfunção sexual, aparecimento de mamas em homens e as vezes pode produzir leite sem estar grávida ou mesmo sem ser mulher.

Então, um médico importantíssimo além do neurocirurgião para esses tumores secretores é o endocrinologista, que é quem muitas vezes descobre a doença e que, mesmo depois da cirurgia, vai continuar seguindo para regular toda essa disfunção de hormônios.

A outra classificação é em relação ao tamanho.

Quando o tumor não produz nenhum hormônio, ele pode causar problemas por crescer demais. Como vimos lá em cima, o tumor pode comprimir estruturas próximas como os nervos ópticos. Ou seja, o tumor é descoberto porque o paciente começa a perder a visão lateral, de um ou dos dois olhos.

Quais os melhores exames para se descobrir este tumor?

Quando há a suspeita pelo médico deste tumor, ele pode solicitar a dosagem de todos estes hormônios e solicitar uma ressonância magnética. Há outros exames para situações mais específicas, como angiografia e alguns outros hormônios.

E como se trata?

Se o tumor for produtor de prolactina, é o único caso em que a primeira opção de tratamento não é cirurgia, e sim uma medicação que pode tratar completamente o tumor. Esse tumor chama prolactinoma. Como saber se é um prolactinoma? No sangue, é possível dosar a quantidade do hormônio prolactina. Se ele estiver MUITO alto, provavelmente é um prolactinoma. Detalhe a mais: se estiver só um pouco alto, pode não ser o prolactinoma.

Para os outros casos, ou seja, tumores secretores ou macroadenomas (tumores grandes), a opção é cirurgia.

A cirurgia para esse tipo de tumor evoluiu muito nas últimas décadas. Antigamente a cirurgia era feita através de craniotomias, a mesma utilizada para algumas doenças no cérebro. Mas como foi dito, a hipófise fica tão escondida que a visualização não era excelente por essa técnica para tumores que não fossem gigantes.

Com a melhoria dos microscópios cirúrgicos, começou-se a aumentar as cirurgias feitas pelo nariz, na qual se colocava um espéculo e se operava por dentro do espéculo. Essa técnica diminuiu o risco de lesões do cérebro durante a cirurgia, porque usava uma rota direta para a hipófise, mas a visão ainda era limitada lateralmente.

Foi com a evolução da óticas do endoscópio que foi possível melhorar em muito esta cirurgia. Com o endoscópio e telas de alta resolução, a visão melhorou muito, inclusive a iluminação. Além disso, não era mais preciso causar fraturas no septo nasal e a cirurgia passou a ser muito menos agressiva, com resultados melhores em termos de retirada do tumor. Leia mais no Post O que é cirurgia endoscópica?

A cirurgia passou a ter a possibilidade de ser feita de forma que não deixasse cicatrizes externas.

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Em vermelho: Onde se esconde sua hipófise. Em azul: Caminho do endoscópio para chegar diretamente na hipófise, sem passar pelo cérebro.

 

Outra grande evolução foi que com os novos aparelhos de ressonância magnética, ficou muito mais confiável o diagnóstico e a localização destes tumores.

 

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Cirurgia endoscópica

Há chance de complicações?

Sim. Em medicina, em geral, os tratamentos são indicados quando o risco de não se fazer nada são mais altos do que se tratar. Como vimos, um tumor destes pode crescer deixando sequelas ou causando doenças no organismo se não tratado. Mas o tratamento também apresenta riscos. Desconfie de propostas sem risco. Pergunte sempre quais os riscos, por menores que seja.

Os principais riscos para o tratamento cirúrgico de tumores de hipófise são fístula liquórica (vazamento do liquido que banha o cérebro após a cirurgia), infecção, hipopituitarismo (a hipófise pára de produzir hormônios), distúrbios do sódio (normalmente temporários), lesões vasculares (raro).

Para cada complicação, existe um tratamento. Não deixe de tirar as dúvidas sobre eles.

Há chance de cura?

Sim. Com a técnica certa e condições do tumor favoráveis, há a possibilidade de cura. Há sempre a possibilidade de recidiva, mas, na maioria das vezes, o tumor cresce de forma lenta e com o seguimento adequado é possível manter o controle da doença.

 

Dúvidas? Não deixe de perguntar nos comentários.

2 respostas para ‘Fui diagnosticado com um adenoma de hipófise. E agora?

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